sexta-feira, 16 de julho de 2010

ANTES E DEPOIS DOS SUMÉRIOS


Antes e depois da Suméria

Só há pouco tempo é que se deram os maiores avanços na tentativa de reconstituir os tempos imemoriáveis da pré-história, nem mesmo os tempos da escrita tinham sido descortinados e as principais fontes não eram suficientes. Ora, o passado da humanidade de certo constitui no campo da pesquisa um trabalho ainda inesgotável. Os avanços que tiveram lugar a partir do século XIX, no campo da lingüística e das pesquisas arqueológicas permitiram aos estudiosos verificar a desconhecida fase que antecedeu a civilização sumeriana, bem como sua construção desenvolvimento e desfecho final. Dessa forma, sob as seguintes perspectivas se dará o presente trabalho; o avanço das descobertas a partir do século XIX, a fase embrionária antes dos sumérios, a construção da primeira civilização sua configuração social política e religiosa e seu trágico fim.
É sabido que as primeiras ditas “civilizações” foram concebidas no chamado oriente médio (Egito e mesopotâmia). Dentre as quais, algumas conhecidas e mencionadas em documentos aramaicos, egípcios, hebraicos, gregos e afins, e isso mais detalhadamente no século XIX, a partir da decodificação dos caracteres cuneiformes por Henry C. Rawlison, e os hieróglifos egípcios por Champollion. No entanto, maior avanço se deu através das investigações nos sítios arqueológicos do crescente fértil, e claro, apoiadas nas conquistas dos lingüistas, da arqueologia, antropologia, da física quântica e outras ciências modernas. Antes disso, quase nada se sabia a respeito de povos e civilizações outrora só mencionadas nos textos bíblicos e gregos, e outros desconhecidos que adormeciam silenciosamente nos montões, escombros e areias das regiões áridas do crescente fértil. O exemplo disso tem-se; sumérios, acádios, amoritas e outras esplêndidas civilizações que ocuparam sucessivamente as regiões entre o Tigre e o Eufrates cognominada pelos gregos de “mesopotâmia”. A respeito disso fala o Dr.Samuel. N. Kramer, uma das maiores autoridades mundiais em culturas da mesopotâmia e a escrita cuneiforme que eles usaram.

"Antes que os arqueólogos começassem a escavar na mesopotâmia, quase nada se conhecia sobre os impérios que ali floresceram há 4500 anos passados. A bíblia e as obras dos historiadores gregos e romanos fizeram breves referências aos babilônios e assírios, mas a informação era vaga e contraditória. De um povo mais antigo, os sumérios. Não se sabia absolutamente nada nem mesmo o fato de que houvera existido (cradle of civilizacion, Samuel. N. Kramer, 1969,19)".

Estudá-los é em suma, um exercício compensador. Como viviam e pensavam como se dava as relações com outros povos, como se configurava a sociedade a religião, essa última, sem duvidas, foi um fator determinante na construção ideológica das sociedades posteriores.
Numa fase embrinária antes dos sumérios que foram de certo os predecessores das civilizações mesopotâmicas, isso não aconteceram de imediato. Antes, os homens nômades e caçadores, aprenderam dez mil anos atrás a viver em aldeias e vilarejos, domesticaram alguns animais e começaram a trabalhar a terra. Agora sedentarizados, contando com o trabalho conjunto e possuindo recursos razoáveis que garantiriam sua sobrevivência, desenvolveram por conta disso, idéias, técnicas e artes que os fizeram progressivamente de forma embrionária, protagonistas da primeira civilização e autores da precoce revolução urbana e econômica na mesopotâmia, que segundo Kramer; "Foram esses avanços que fizeram civilizado o homem" (cradle of civilizacion, 1969, 13). Fato interessante, é que a agricultura e a cidade não foi um fenômeno exclusivo da mesopotâmia, antes também se desenvolveu nas regiões da palestina e síria, o que foi comprovado pelos arqueólogos entre 1952 e 1958, através das investigações realizadas sobre os vestígios da antiga cidade bíblica de Jericó descoberta num monte de terra próxima ao mar morto. Sobre isso disse o Dr. Kramer

"Se a cidade surpreendia pela grande extensão, ainda maior espanto causava pelos sinais de sua antiguidade. Pois, de acordo com teste a carbono 14(que mede o grau de deterioração do carbono radioativo em remanescentes orgânicos), a maior parte da cidade deveria datar do começo do oitavo milênio a.C., ou até mais cedo (cradle of civilizacion, Samuel. N. Kramer, 1969, 13)".

Todavia, mesmo que a mesopotâmia fora ou não o palco da proto-agricultura do nascimento da cidade e da revolução econômica, foi ali que as lavouras se desenvolveram como bases sólidas para o desenvolvimento da civilização e a construção das grandes cidades.
As primeiras cidades se desenvolveram na planície entre os rios tigre e Eufrates inicialmente conhecida como suméria e depois babilônia. Ali se instalaram alguns lavradores vindos da mesopotâmia setentrional em busca de melhores terras. Que apesar das adversidades naturais como a desolação, e as enchentes inesperadas, a planície apresentava certo número de diques naturais que após as cheias acumulavam água que canalizadas ofereciam ao agricultor certa facilidade para o cultivo da terra que era rica em limo trazido pelas cheias do Eufrates. Esses primeiros habitantes da mesopotâmia foram os chamados ubaidianos, de Tell Al-Ubaid, um montículo de entulho perto de Ur descoberto há cerca de meio século. A prosperidade a iniciativa e a capacidade desses lavradores fizeram com que se multiplicassem no decurso dos séculos disseminando aldeias e pequenas cidades por toda a mesopotâmia, até que por volta do quarto milênio antes de cristo os ubaidianos se tornaram uma importante força civilizadora, sobre eles se referiu Kramer

"Os ubaidianos são na historia da humanidade o primeiro povo sobre cuja identidade étnica e conquistas culturais, temos provas lingüísticas... documentos sumerianos do segundo período deixam claro que eles não eram sumérios... Provavelmente foram os ubaidianos que deram nomes como Eridu, Nippur, Kish a algumas aldeias e vilas que depois se tornaram grandes e imponentes cidades da suméria (cradle of civilizacion, Samuel. N. Kramer, 1969,34)".

A franca ascensão e prosperidade ubaidiana, fora alvo por volta do quinto milênio antes de cristo de incursões dos nômades semitas, ora como conquistadores, ora com objetivos pacíficos de encontrar melhor sorte. No entanto, o resultado da fusão genética e cultural desses dois povos, fez brotar uma era ainda mais próspera, onde segundo Kramer, “foram lançadas os alicerces da primeira civilização autêntica do mundo”. Portanto, a construção dessa primeira civilização se deu quando seus agentes construtores chegaram à mesopotâmia por volta de 3.500 a.C, vindos provavelmente da Ásia central, e a partir do advento desse terceiro grupo se deu nova fusão étnico-cultural influenciando profundamente o curso ulterior da humanidade. No fim do quarto ao começo do terceiro milênio a.C, esse povo antigo realizou suas mais importantes criações na arte e na arquitetura, em organização social, no pensamento e no culto religioso e, sobretudo em educação e comunicação com a invenção da escrita.
O surgimento das cidades-estados sumerianas se deu num ambiente conflituoso, antes ainda, nas aldeias os conflitos se davam entre indivíduos e famílias, mais, por conta da urbanização e consequente aumento populacional, a demanda por terras cultiváveis se tornou o principal motivo de disputas sangrentas entre tais cidades. No principio, o governo era democrático exercido por um grupo de indivíduos livres, a “assembléia dos cidadãos” que por conta das disputas cada vez mais acirradas entre as cidades, deu lugar a instituição da realeza, ou seja, um líder com qualidades guerreiras capaz de guiá-los nas batalhas contra as cidades vizinhas. A partir de 3000 a.C, com a instituição dessa realeza, a história da suméria se viu envolta em sucessivas batalhas entre as cidades-estados que tinham em comum a linguagem e a cultura, cada uma perseguindo o controle hegemônico sobre a região.
A configuração política e religiosa se deu da seguinte forma; o governo sumeriano a principio se mostrava teocrático, cada cidade tinha uma divindade protetora e os governantes eram apenas seus representantes. O panteão sumeriano é numeroso, personificam as grandes forças naturais e, portanto as posições mais privilegiadas nesse olimpo sumeriano são daqueles que presidem os elementos mais importantes. A tríade mais importante é formada consecutivamente por; An, Enlil e Enki-Ea, a segunda é representada pelas divindades astrais: o sol, a lua e o planeta Venus. E logo em seguida se encontra a esfera dos demônios.
Sobre a teocracia sumeriana de como os reis governavam em nome dos deuses, Adam Watson se refere a uma inscrição da coleção de Yale gravada num cilindro de argila em lagash, onde se diz:
"Enlil, o rei de todas as terras e o pai de todos os deuses, demarcou uma fronteira para o deus de Lagash e o deus de Umma por decreto. O rei de Kish mediu-a segundo as palavras do deus dos acertos legais e lá erigiu um marco de pedra. Um rei de Umma violou o decreto de Enlil e a palavra do rei de Kish e eliminou o marco e penetrou no território de Lagash. Então o deus de Lagash que era o principal campeão de Enlil, lutou contra os homens de Umma para manter o claro decreto de Enlil"...

Interessante era o caso onde a cidade mediadora e seu grande rei, caiam enfraquecidos e se já não fosse forte o suficiente pra servir como árbitro, então outras cidades formavam alianças e derrubavam a realeza pela força, então outra cidade assumia tal prerrogativa e seu rei tornava-se o moderador das cidades-estado sumerianas. Quando isso ocorria, era o tal fato acrescentado a história dos deuses, onde a queda da cidade vencida era relacionada ao enfraquecimento de seu deus e a ascensão de outra como o fortalecimento de sua divindade e consequente domínio do céu. Sobre isso fala Watson da seguinte forma

"A religião de estado dos sumérios legitimava os regulamentos de cada cidade-estado-templo por seu rei-vigário e os regulamentos correspondentes das relações entre as cidades da sociedade suméria confederada pelo detentor da realeza geral (a evolução da sociedade internacional, Adam Watson, 1986,45)".
De fato, as consecutivas batalhas travadas entre as cidades-estados levaram ao enfraquecimento da suméria, o elam já se mostrava um inimigo perigoso desde a época do lendário rei Gilgamesh. As sangrentas investidas deste conflito interno fragmentaram de tal modo a suméria que ela se tornou vassala dos reis elamitas, somente um século após Gilgamesh foi que a suméria se viu livre de seu tradicional inimigo. E seu heróico salvador foi Lugalannemundo, rei da cidade de Adab, ele derrubou a dominação elamita e reconciliou as cidades-estados projetando-se muito além dos limites da suméria derrotando inúmeros reis e controlando quase todo o antigo oriente próximo. No entanto após a morte do grande rei a suméria se viu novamente nesse círculo vicioso de queda e dominação das diferentes cidades-estados até que o poderoso chefe militar Sargão, filho de semitas, o povo que começou a se infiltrar na mesopotâmia desde os tempos pré-históricos dos ubaidianos. Sargão se tornou copeiro do rei sumeriano Ur-Zabuba, e não se sabe como, este foi deposto pelo primeiro, todavia, após arrebatar o trono das mãos de Ur-Zabuba reuniu toda a suméria e a metade setentrional da mesopotâmia numa única nação e sob uma autoridade suprema constituiu um império que iria durar cerca e duzentos anos. Do tempo de Sargão em diante por conta das terras ao centro sul da mesopotâmia onde ele edificou nova capital chamada de Acad, a língua semítica falada na região bem como o período histórico que o denomina passou a se chamar acádio.
Após a morte de Sargão seu império de desintegrou, apenas seu neto, Naram-Sin provou por algum tempo ser um governante a altura do grande rei guerreiro, no entanto, a chegada dos gutianos, um povo bárbaro que vivia nas montanhas ao nordeste deu o golpe fatal no império fundado por sargão e seus governantes semíticos. Ao que parece só Lagash floresceu nesses penosos dias, e isso porque seus governantes se dispuseram a colaborar com os gútios e após um século de dominação gutea um libertador de levantou em Erech, a cidade de Gilgamesh, este foi Utuhegal, que aniquilou os guteos e libertou seu povo. Depois de governar apenas sete anos como chefe supremo, seu trono foi usurpado por seu general Ur-Nammu que recuperou parte da antiga glória sumeriana e seu código de leis descoberto recentemente precedeu mais de três séculos o celebrado código de Hamurabe na babilônia e mais de um milênio as leis dadas por Moisés, o legislador hebreu.
Sobre o trágico fim dessa civilização, e seus últimos momentos, justifica-se que depois da morte do “primeiro legislador conhecido na história”, como afirmou Kramer. Shulgi seu filho governou por 48 anos, foi próspero em seus projetos, e durante seu longo reinado e de seus sucessores recuperou e controlou um império quase tão grande quanto o de Sargão I. A dinastia de Ur-Nammu só caiu com Ibbi-Sin, o quinto rei da dinastia, enfrentando os tradicionais inimigos, o Elam, somado a novos oponentes, os nômades semitas da síria e Arábia, os amoritas, viu seu governo ameaçado internamente quando um dos seus generais abandonou sua lealdade tornado-se senhor de Isin e de outras cidades. Então durante algum tempo a suméria foi governada por dois reis em rivalidade. O retorno da doença crônica sumeriana- a rivalidade interna- somada a pressão dos inimigos externos debilitou novamente o pais e por volta de 2000 a.C, o elam entra novamente em cena, atacam Ur e levam cativo seu rei, decretando o fim da suméria como potência. Em seguida os amoritas expulsam os elamitas, se fixam na babilônia e varre os sumérios como entidade étnica. Um poema dos últimos dias da suméria reflete a catástrofe que se deu como se fosse o epitáfio daquela que fora uma esplendida civilização

"Em que lei e ordem deixaram de existir...
Em que cidades foram destruídas, casas derrubadas...
Em que os rios fluíam como águas amargas...
Em que a mãe já não velava pelos filhos...
Em que a realeza fora banida do país...
Em que sobre as margens do tigre e do Eufrates só brotavam plantas enfermiças...
Em que ninguém seguia pelas grandes estradas, ninguém procurava os caminhos...
Em que cidades bem erguidas e aldeias se reduziam a ruínas...
Em que o profuso povo de cabelos negros foi submetido a clava...
Se a sorte ditada é imutável, quem poderá transformá-la?"
Por fim, sob as premissas anteriores, observa-se, que assim como o surgimento da exótica civilização sumeriana se deu num contexto de miscigenação étnico-cultural com povos diversos, especialmente ubaidianos e semitas, o mesmo se deu com sua queda, sendo o principal fator as constantes lutas internas pela hegemonia entre as cidades-estados e as incursões elamitas e amoritas. Contudo a força de sua influência cultural se observou nas civilizações seguintes e sobre praticamente todos os povos da mesopotâmia e crescente fértil.
Fábio de sousa neto.
Goiânia, 2010/2

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